HOMENAGEM FEITA EM 2008 AM RUA LEIDE das NEVES. MANAUS AM

HOMENAGEM FEITA EM 2008 AM RUA LEIDE das NEVES. MANAUS AM
20 anos depois procurar meus direito tomados!

terça-feira, 18 de agosto de 2009

JORNALISTA CARLA LACERDA

Descrição

Tentei, mas de antemão aviso aos mais incautos: não dá para descrever, em sua totalidade, o sofrimento das vítimas do acidente com o césio-137. Cada palavra aqui digitada é simplória. Ineficiente. Injusta diante dos percalços enfrentados por aqueles que, involuntariamente, se tornaram protagonistas da maior tragédia radioativa do mundo em área urbana.
Durante quase um mês acompanhei a rotina de diversas pessoas afetadas pelo acidente.
Um dos objetivos da série publicada pelo jornal HOJE, entre agosto e setembro de 2007, era reconstruir a história a partir dos relatos de quem se encantou ou, de forma não deliberada, acabou se envolvendo com — e pelo — “brilho da luz azul”.
Mais do que recontar o desastre, as reportagens do HOJE optaram por priorizar a trajetória das vítimas. Afi nal, mesmo depois de duas décadas — e em meio ao turbilhão de dados, números, informações, desinformações, incertezas e preconceitos dos últimos anos —, elas guardam na memória “capítulos” de um livro ainda em curso. E foram
esses os registros que decidi colher. Direto da fonte.
Como estão os sobreviventes? O que sentem? Como era o dia-a-dia antes daquele domingo, 13 de setembro de 1987, quando um aparelho utilizado para tratamento de câncer — que continha a cápsula de césio — foi encontrado por dois rapazes em um terreno baldio onde funcionava o antigo Instituto Goiano de Radioterapia (IGR), hoje
o Centro de Convenções?
As respostas a esses questionamentos geraram dez reportagens e estimularam a criação deste livro. Depois de encerrada a série, e ainda impressionada com os depoimentos, fui atrás de outras vítimas. Confesso: é complicado pincelar dados para publicá-los quando se está diante de um universo tão vasto. A Superintendência Leide
das Neves (Suleide) reconhece e faz o acompanhamento de 733 pessoas, que considera vítimas diretas e indiretas do acidente. Estimativas extra-ofi ciais, entretanto, elevam o número para 1.500.
Frente ao desafi o, algumas opções. Juntei os relatos de 20 sobreviventes, quantidade escolhida por causa das duas décadas da tragédia, completadas em 2007. Contei com a colaboração incansável e valiosa do então presidente da Associação das Vítimas do
Césio-137, Odesson Alves Ferreira, tio da menina Leide das Neves, 6, vítima-símbolo da tragédia. Odesson forneceu dados, tirou dúvidas e revelou onde poderia encontrar as pessoas afetadas pelo material radioativo em 1987.
Cada capítulo do livro equivale à história de um personagem. Na verdade, 18 pessoas que estiveram envolvidas de alguma forma com o acidente expõem suas recordações.
Os dois capítulos fi nais não são baseados em depoimentos de vítimas. O 19º retrata a busca da autora pela versão de um desses sobreviventes. Já o capítulo de número 20 traz uma curiosidade: a história de Gumercindo Marçal, um senhor de 84 anos que vive no
lote onde há 20 anos morava a família de Leide das Neves. No quintal do octogenário nasceram árvores contaminadas pelo césio.
Entre as vítimas que narram seu envolvimento com o elemento radioativo estão sete das 14 que precisaram ser transferidas para o Hospital Naval Marcílio Dias, no Rio de
Janeiro. A unidade carioca era a responsável por atender os contaminados em estado
mais grave. Dos pacientes internados, quatro não retornaram vivos a Goiânia. Maria
Gabriela Ferreira, 37; Leide das Neves Ferreira, 6; Israel Batista dos Santos, 22; e
Admilson Alves de Souza, 18.
O tio e o pai da menina Leide, respectivamente Devair Alves Ferreira e Ivo Alves
Ferreira, faleceram anos mais tarde. Segundo os laudos, o primeiro de cirrose, em 1994; o
segundo de insufi ciência respiratória, em 2003. Embora não divulgado na época, o laudo
de Devair também aponta que ele tinha câncer em dois órgãos: na próstata (um adenocarcinoma
focal) e no esôfago superior (um carcinoma epidermóide micro-invasivo).
Dos oito sobreviventes que passaram pelo Marcílio Dias, sete contam nas páginas
seguintes suas experiências, traumas, medos e lembranças. Apenas um não foi localizado:
Geraldo Guilherme da Silva, foco do capítulo 19. Funcionário do ferro-velho de Devair,
foi ele quem levou a cápsula do césio, junto com Maria Gabriela Ferreira, à Vigilância
Sanitária. Sem imaginar a repercussão que o caso teria, eles evitaram que a extensão
do acidente fosse ainda maior.
Como os 20 capítulos do livro são independentes, apresentamos um índice com um
breve resumo de cada personagem central. Assim o leitor pode escolher por onde começar
a leitura. No fi nal da obra, um anexo sobre questões atuais, como processos judiciais,
saúde das vítimas e o depósito de Abadia de Goiás, para onde foi transportado o lixo
radioativo acumulado do acidente.
Como reforcei linhas acima, a obra sustenta-se nos depoimentos de alguns dos sobre
viventes. Dou publicidade ao que eles pensam, sentem e se recordam sobre setembro de 1987. Não é objetivo investigar as contradições verifi cadas. E não foram raras. É válido destacar que as lembranças das vítimas nem sempre vieram acompanhadas de precisão numérica. Algumas versões e datas não batem, evidenciando também detalhes díspares.
Independentemente das divergências, ou do eventual choque com notícias publicadas pelos jornais da época, mantive a integridade dos relatos confi denciados.
A mim, e espero que a você também, não importa como a história foi divulgada pelos órgãos ofi ciais nos últimos anos. Importa saber como ela foi guardada no coração e na mente de quem carrega marcas indeléveis de um trauma ainda não superado.

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