HOMENAGEM FEITA EM 2008 AM RUA LEIDE das NEVES. MANAUS AM

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quinta-feira, 19 de agosto de 2010

CIDADES DO BRASIL! 1999= 13 SETEMBRO NEGRO 1987

O medo mora ao lado

Doze anos depois a população de Goiana (GO) convive com o medo de que a tragédia do césio 137 ainda possa causar danos à saúde



Agosto/1999 Edição 04




Depósito de material radioativo em Abadia de Goiânia

Há doze anos a casa de Ivo Alves Ferreira e Lourdes das Neves Ferreira vivia cheia de amigos que se divertiam em animados churrascos. Mesmo quando não havia motivos para comemorar, o local era ponto de encontro de parentes e vizinhos e possuía a alegria ruidosa que só as crianças sabem e podem proporcionar. O acidente radiológico com o césio 137 foi o marco divisório na vida dessa e de outras famílias. Há doze anos não acontecem mais churrascos na cada de Ivo e Lourdes. Há doze anos eles deixaram de passear e convivem em casa com um pesado silêncio deixado pela morte da filha caçula, Leide das Neves Ferreira, aos 6 anos de idade.
Em 13 de setembro, o catador de papel Roberto Santos fica sabendo que havia uma peça de chumbo de muito valor nas antigas dependências do Instituto de Radioterapia de Goiânia. Com ajuda do amigo Wagner Mota, Roberto consegue remover parte da peça e a levaram num carrinho da mão para a rua 57, centro da capital. O dono de um ferro-velho, Devair Alves Ferreira, compra a peça no dia 18 de setembro. Na mesma tarde dois funcionários levaram o material para o ferro-velho onde foi aberto.À noite, Devair se encanta com o intenso brilho azul daquele pó e imagina que poderá ganhar muito dinheiro ou que está diante de algo sobrenatural. Admirado, leva o material para casa. Nos dias 19, 20 e 21, amigos e vizinhos são convidados a ver o brilho.
Devair distribui porções do pó entre familiares. Ivo Alves, irmão de Devair, carrega uma porção no bolso da calça. Algumas pessoas passam o produto no corpo e brincam com aquele brilho como se fosse uma festa.
Todas as pessoas que tiveram contato com o césio 137 passam mal. Roberto e Wagner apresentam sintomas de contaminação radioativa na noite do dia 13. Devair e Gabriele sentem-se mal no dia 19 de setembro e procuram atendimento no hospital São Lucas. Em casa, Ivo põe fragmentos do pó sobre a mesa. Sua filha Leide, de 6 anos, manuseia o material radioativo durante a refeição, ingerindo fragmentos de césio. Gabriela suspeita que a peça seja a causa do mal-estar. Com ajuda de funcionários do ferro-velho, vai de ônibus à vigilância sanitária levar o material suspeito. As vitimas são levadas para o hospital e o físico Walter Mender confirma que o material é radiotivo. A área é isolada e Devair e seus famílias são convencidos a deixar suas casas. Quatro pessoas morrem, 55 vítimas recebem altas doses, 51 são atingidas por doses consideradas médias e 600 receberam doses baixas, mas ficaram expostas aos risco da radiação. A limpeza do ferro-velho e da região contaminada resultou em 6.000 toneladas de lixo radioativo que estão depositados em Abadia de Goiás, sob controle da CNEN.
A cápsula de césio possuía 3 cm de comprimento e 90 gramas de peso. Os envolvidos no acidente, por ignorarem a periculosidade do conteúdo, distribuíram suas partes e porções do pó radioativo entre várias pessoas e locais da cidade, abrangendo área superior a 2.000 m2, no centro de Goiânia. Os responsáveis por deixarem no lixo uma material perigoso ainda não foram punidos.


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Algumas pessoas passam césio no corpo e brincam
com aquele brilho como se fosse uma festa


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As seqüelas deixadas pelo césio 137 não estão apenas nos corpos das vítimas diretas do acidente, o maior acidente radiológico do planeta, que tiveram membros amputados, a pele marcada e a saúde afetada pelo contato com o elemento químico. Passados doze anos do desastre radiológico, boa parte dos goianienses não somente guarda tristes lembranças do episódio como sofre com medo dos efeitos do césio 137. Uma pesquisa encomendada pelo jornal O Popular revela que 53,6% dos 1,5 mil entrevistados acreditam na possibilidade de que o acidente ainda possa causar algum tipo de risco à população da Capital.


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As seqüelas deixadas pelo césio não
estão apenas nos corpos das vítimas


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Para o especialista em medicina nuclear, Alexandre de Oliveira, essa preocupação da sociedade revelada pela pesquisa não se justifica. "O acidente fez muitas vítimas e não deve fazer novas vítimas emocionais", declara o chefe da assessoria de saúde, segurança e meio ambiente das Indústrias Nucleares do Brasil. Ele garante que não há possibilidade de outras pessoas, além das que tiveram contato direto com o césio 137 em setembro de 1987, sofrerem qualquer doença ou outros efeitos provocados pelo elemento radioativo.
Daquele setembro de 1987 até hoje, cientistas brasileiros e estrangeiros não param mais suas investigações, transformando Goiânia em um verdadeiro laboratório. Dos primeiros atendimentos às vítimas à definição de novas políticas para a área nuclear. Passados doze anos do acidente com o césio 137, duas conseqüências foram consumadas: de um lado a tragédia, cujas vítimas sofrem ainda hoje: e, de outro, o desenvolvimento científico-tecnológico, que deu ao Brasil, mesmo que por vias tortas, um novo status na área nuclear frente ao mundo. Se a bomba de césio abandonada de maneira irresponsável pelos proprie-tários de um instituto de radioterapia cuja função maior tinha de ser preservar a saúde das pessoas e não disseminar doenças. "Goiânia não foi só um acidente radiológico, foi também um acidente social que expôs as mazelas do nosso País, a irresponsabilidade das elites, a incompetência dos governos. Um clico houve perdas irreparáveis, houve também conquistas importantes, particularmente na medicina, na segurança pública e na atividade de intervenção em caso de novos acidentes.
Para os cientistas, o episódio de Goiânia foi uma oportunidade de testar na prática o que se sabia na teoria. Foi também um momento único de aprender novos conhecimentos e de adquirir uma experiência que continua inédita e possivelmente, não terá paralelos. "O acidente nos tornou um ponto de referência mundial", afirma o físico Alfredo Tranjam, da Comissão Nacional de Energia Nuclear.



Se houve perdas irreparáveis houve também conquistas
na medicina e na segurança em caso de acidentes

Para o físico Luiz Pinguelli Rosa a tragédia no seu pior aspecto foi para as vítimas, para as pessoas que sofreram as conseqüências, que inadvertidamente, tiveram contato com perverso que vem piorando, pois o setor público que devia ser incumbido de determinadas tarefas, vem sendo desmoralizado pelos seus próprios dirigentes políticos", destaca ele. Luiz Pinguelli Rosa alerta que a qualquer momento podemos ter noticia de um acidente semelhante ao ocorrido em Goiânia. São muitas ainda as bombas de césio e de cobalto sem controle pelo território do País. Infelizmente nada melhorou no que diz respeito a este controle nos últimos doze anos.
O elemento químico césio, cujo nome vem do latim caesius, que significa céu azul, foi descoberto em 1860. O césio 137, uma das formas radioativas desse metal, é um subproduto das usinas nucleares, obtido pela fusão do urânio 235. O poder terapêutico desse "lixo dos reatores", como define o físico em medicina, Flamarion Barbosa Goulart, foi identificado e durante décadas largamente explorado no tratamento de vítimas do câncer. Mas, o uso na radioterapia de equipamentos de césio similares ao que deu origem ao acidente radioativo de Goiânia é coisa do passado.
Se o césio 137 é coisa do passado no tratamento médico a população esta exposta a outros tipos de acidentes com equipamento que contém algum elemento radioativo. Hoje são 10 milhões de usuários de telefone celular com baterias de lítio, elemento que exposto à pressão e ao calor pode causar graves acidentes. Os pára-raios de edifícios e residências são outro exemplo de material perigoso capaz de repetir tragédias como a de Goiânia.

Reportagem de:
Rosane Rodrigues da Cunha e Carla Borges
O Popular (GO)

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